quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

TABELA DE LEGADOS ESTABELECIDOS EM BENEFÍCIO DE NOSSA SENHORA DA LAPA


Guarda-se na sacristia da Igreja da Lapa um quadro com a “Tabela de Legados estabelecidos em benefício de Nossa Senhora da Lapa”. Muito do que com grandes cuidados de caligrafia lá se escreveu (sobretudo a parte final) está hoje ilegível ou apagado. Mas é possível identificar a maior parte dos nomes dos benfeitores, que são de meados do século XIX. Foram eles: Manuel de Jesus Castelo e mulher, João José Teixeira de Faria, Maria Rosa Joaquina, José António Dias, João António Dias, António José Dias, D. Maria do Patrocínio Ferreira Barbosa, João José Moreira (ilegível) de Faria e Rita Maria dos Reis.
Trata-se no geral de benfeitores da Santa Casa da Misericórdia e assim cinco deles estão bem identificados no livro Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde. Um Legado. 1510-1975. I volume. Além de informação escrita, até lá vêm os seus retratos.

1.      Manuel de Jesus Castelo e mulher, Maria Joaquina Carneiro

Os mais notáveis destes benfeitores da Igreja de Nossa Senhora da Lapa foram Manuel de Jesus Castelo e esposa, que legaram 390.000 réis à Misericórdia com obrigação de dar anualmente, “no dia do SS. Nome de Jesus, 3.200 réis para a festa de Nossa Senhora da Lapa, que consistiria em missas a canto chão (ilegível) e mais a obrigação das missas rezadas seguintes: uma missa no dia de Nossa Senhora da Lapa, uma no dia de Santo André, outra no dia de São Bartolomeu”.
Manuel de Jesus Castelo, que ocorre ligado à câmara desde 1824 ao menos, morou na Praça Velha e morreu a 13 de Dezembro de 1856, tendo o seu corpo sido sepultado no Adro da “Igreja ou Capela de Nossa Senhora da Lapa”. Deixou os seus bens ao sobrinho José do Nascimento Castelo. Nos anos difíceis de 1835/36, foi vereador fiscal, então o vereador com mais responsabilidade, chegando a presidir algumas vezes às sessões. Foi igualmente piloto-mor da barra.

2.      João José Teixeira de Faria

João José Teixeira de Faria, a que já nos referimos, era filho de Domingos Teixeira Soares e Rosa Miquelina, e nasceu cerca de 1775, viveu na “Rua de São Bartolomeu”, próximo do aqueduto. Deu os primeiros passos para a ordenação sacerdotal, mas não foi além de clérigo in minoribus, apesar de no seu retrato na Misericórdia ser identificado como padre[1]. Foi professor oficial de gramática e língua latina desde 1826 até cerca de 1855 e por isso o seu nome é referido frequentemente em documentos municipais; deve ter ensinado latim a gerações sucessivas de jovens vila-condenses e mesmo a jovens de algumas terras não integradas no concelho.
Em 1843, sucedeu ao Pe. Silos como ministro da Ordem Terceira.
Deixou um legado “para se fazer no dia de Natal a festividade do nascimento do Menino Deus com o Senhor exposto, sermão e missa cantada”; estes actos religiosos teriam lugar na Igreja da Lapa, caso contrário não haveria razão para ele figurar na Tabela de Legados. O seu donativo à Misericórdia remonta a 8 de Fevereiro de 1846.

3.      Maria Rosa Joaquina

Maria Rosa Joaquina era uma comerciante solteira da Rua dos Ferreiros com propriedades na Rua de São Bartolomeu; deixou à Misericórdia um legado de um conto e meio. Para a Capela da Senhora da Lapa determinou que fosse rezada uma missa aos domingos e dias santos de guarda por sua alma. Faleceu em 21 de Outubro de 1848.

4.      José António Dias

José António Dias era também comerciante, casado, morador na Rua do Barroso (actual Rua do General Lemos), mas com bens na Rua de S. Bartolomeu, e deixou igualmente um conto e meio à Misericórdia. Como a benfeitora anterior, também deixou que na Lapa fosse rezada uma missa aos domingos e dias santos de guarda por sua alma. Faleceu em 15 de Setembro de 1851.

5.      João António Dias

João António Dias legou à Misericórdia dois contos e duzentos mil réis. O estado da Tabela de Legados, onde consta o seu nome, não nos permitiu identificar o legado deixado à Lapa. No livro da Misericórdia não vimos o seu nome.

6.      António José Dias

António José Dias, também comerciante, solteiro, “morador à Senhora da Lapa”, legou à Misericórdia um conto e setecentos mil réis[2]. Inscreveu-se como irmão da Misericórdia em 15 de Fevereiro de 1846 e faleceu logo em 18 do mesmo mês e ano.
Dos três homens anteriores, dois, se não todos, deveriam ser irmãos e, até pela posição social que deviam possuir, tiveram alguma intervenção política, em especial o primeiro, que foi procurador da câmara no início do período liberal.

7.      D. Maria do Patrocínio Ferreira Barbosa

Esta senhora terá deixado à Confraria da Lapa 39.000 réis, com obrigações que não conseguimos especificar.

8.      Rita Maria dos Reis

No livro da Misericórdia consta uma Rita Xavier dos Reis que deixou “uma missa rezada aos dias santos dispensados na Capela de Nossa Senhora da Lapa desta Vila por alma de seu falecido irmão Padre João de Sousa Reis Cerqueira”. Como na Tabela dos Legados ocorre uma Rita Maria dos Reis, pode tratar-se da mesma pessoa.

9.      D. Teresa Ludovina de Azevedo Mendanha Coutinho

O nome desta senhora não está legível na Tabela dos Legados, mas muito provavelmente constava nela. Fez testamento em 5 de Junho de 1851 e deixou à Capela de Nossa Senhora da Lapa 200.000 réis.

10.  José do Nascimento Castelo

José de Nascimento Castelo, sobrinho de Manuel de Jesus Castelo, há-de ter sido um homem abastado e muito activo. Era natural da Ericeira e porventura filho de algum oficial que tivesse prestado serviço no Castelo. Viveu na junto à Praça Nova. Teve papel importante na Ordem Terceira. O seu nome ocorre em muitos documentos do arquivo municipal. Fez dois testamentos, um em 7 de Julho de 1890 e outro em 25 de Março de 1895, deixando 400.000 réis à Senhora da Lapa, mas não foram propriamente um donativo ante o pagamento de dinheiro que estava na sua posse.
Não há razão para não constar da tabela.
Era juiz da Confraria da Lapa em 1877 e faleceu em 14 de Abril de 1894.

E o arquivo da Confraria?

Os livros dos irmãos, os livros de inventário, as sucessivas reformas dos estatutos, os livros dos legados, das contas, nada disso se conservará? Parece-nos pouco provável…
Aliás, Ouvidor da Costa, em 1991, citou o Tombo de 1906.

Rua da Lapa

A designação de Rua da Lapa, em substituição da anterior de Rua da Senhora da Lapa, deve ter sido adoptada cerca de 1870, talvez após a via ter sido alargada e melhorada no seu piso. Prolonga-se actualmente pela área da antiga Formariz até Touguinha, sendo uma das mais extensas de Vila do Conde.
Foi também na década de 1870 que se abriu a linha do caminho-de-ferro, que tão profundamente marcou a paisagem próxima.

Dois documentos de 1876

Conserva-se no Arquivo Municipal um documento com o título de “Instituições de Piedade” que é o “questionário a que refere a Portaria do Ministério do Reino de 12 de Junho de 1876”, e diz respeito à Confraria de Nossa Senhora da Lapa e São Bartolomeu[3]. Consta das “condições de existência” e “fundo”. Algumas das respostas do questionário às condições de existência têm para aqui interesse. Assim, os estatutos teriam sido renovados em 11 de Novembro de 1866, a “igreja em que se acha erecta” era a “Capela de Nossa Senhora da Lapa” e o número de irmãos de ambos os sexos cifrava-se em 250. Esta informação sobre os irmãos é relevante: eram poucos e seriam principalmente das proximidades. Os moradores da Vila dedicar-se-iam às várias confrarias da Matriz e capelas, à Misericórdia.
Um segundo documento, de 21 de Abril de 1877, informa que “José de Nascimento Castelo[4], juiz da Confraria de Nossa Senhora da Lapa”, solicitava o prolongamento do prazo para organizar as contas.




Início da “Tabela de Legados estabelecidos em benefício de Nossa Senhora da Lapa”.


Retrato de Manuel de Jesus Castelo na Misericórdia.


Retrato da esposa de Manuel de Jesus Castelo.                                          


Retrato de Maria Rosa Joaquina.


Retrato de José António Dias.


Retrato de António José Dias.


Cartela da casa que foi de Camilo Araújo, com data de 1903. Em frente à Igreja da Lapa construiu-se uma casa nova em 1908.


Edital de 1873 que anuncia a arrematação das obras da construção da estrada de Vila do Conde à ponte d’Este, que naturalmente incluía a Rua da Lapa.





[1] A designação de padre aplicar-se-ia então mesmo a clérigos de ordens menores.
[2] Um documento da Misericórdia dá-o como residente na “Rua de São Bartolomeu”.
[3] Oficialmente ainda era assim, como é hoje, que se designava a Confraria.
[4] José de Nascimento Castelo era sobrinho de Manuel de Jesus Castelo e viveu próximo dos Bem-Guiados, mas viveu também na Praça Nova.

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